Linguagem neutra: entenda o que é e quando utilizar
Provavelmente você já viu os debates que têm acontecido em relação ao uso da linguagem neutra e inclusiva. Substituição como “amigxs” e “todxs” são cada vez mais comuns, principalmente online e entre o público mais jovem.
Essa tendência, que já é discutida há um tempo, está cada vez mais presente nos espaços, sendo adotada por muitas empresas. Contudo, existem diferentes formas de adequar a linguagem falada e escrita, de modo que inclua e respeite todas as pessoas e grupos.
A seguir, vamos explicar o que é linguagem neutra e como aplicá-la no seu dia a dia. Boa leitura!
Qual a diferença entre língua e linguagem?
Antes de entender o que é linguagem neutra, é importante saber a diferença entre os conceitos de língua e linguagem.
Língua
A língua diz respeito a um conjunto de palavras organizadas por regras gramaticais específicas. Dessa forma, permite que informações sejam transmitidas e estimula a comunicação entre determinado grupo social.
É por isso que a Língua Brasileira de Sinais é considerada uma língua diferente do Português. Afinal, os sinais em Libras permitem o entendimento de determinados indivíduos entre si, além de possuir as próprias regras.
Linguagem
A linguagem, por sua vez, consiste na capacidade de comunicar-se com os outros, independentemente de haver uma língua em comum. Para ficar mais fácil, pense em pessoas que falam línguas distintas, mas que conseguem se comunicar por meio de gestos.
Ou seja, mesmo sem conhecer a língua, é possível compreender a mensagem de outras maneiras.
Mas, afinal, por que compreender esses termos? Porque, hoje, passamos a discutir um dilema sobre a língua portuguesa: o cuidado com a linguagem neutra, a fim de tornar a comunicação mais inclusiva.
A língua é uma das diversas maneiras de expressão cultural e, por isso, é muito importante para uma sociedade.
Aliás, ela possui um nível significativo de representatividade, além de carregar valores, história e marcas de determinado grupo. Por isso, a linguagem neutra se tornou um debate atual tão importante.
Essa discussão propõe uma comunicação fluida e imparcial perante os gêneros. Afinal, existe uma pluralidade de identificações de gênero que fogem do binarismo.
Contudo, é justamente no fator binário de gênero que a língua portuguesa se sustenta. E, por isso, surgiram discussões a respeito de diferentes grafias e pronúncias existentes.
O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra, ou não-binária, é uma forma de comunicação que procura superar a binaridade entre o feminino e o masculino. Ou seja, deixa de considerar o gênero para dar espaço a termos neutros para se referir às pessoas.
Para isso, é preciso fazer algumas alterações na conjugação e na escrita padrão das palavras na língua portuguesa. Afinal, hoje em dia ela funciona com a marcação em pronomes, artigos e outros para determinar se o termo é feminino ou masculino.
Isso acontece porque na língua portuguesa atual não há um gênero neutro e, por isso, o gênero masculino assumiu o papel de pronome neutro no plural. Por isso, mesmo em um grupo de pessoas composto por homens e mulheres, mesmo que majoritariamente feminino, pode-se referir às pessoas como “eles” ou “todos”. Mas nem sempre foi assim.
No latim vulgar, de onde veio o português, havia um gênero neutro, mas por conta das adaptações da língua ele caiu em desuso. A partir daí o gênero masculino passou a ser utilizado em generalizações.
Porém, ao redor do mundo, diferentes idiomas não apresentam marcação de gênero em pronomes e substantivos. No inglês, por exemplo, apenas pronomes pessoais são marcados pelo gênero, mas o restante da língua é universal.
Por isso, existe um movimento para que a língua portuguesa se adeque a um padrão que contemple todas as pessoas, independentemente de como se identificam. Desse pensamento, surgiram termos como “amigues”, “todxs”, #elu/delu”, entre outros.
O objetivo dessa linguagem é ser mais abrangente e não excluir pessoas pela sua identidade de gênero. Porém, vale ressaltar que o uso da linguagem neutra não é exclusivo para pessoas não-binárias.
Para entender melhor, veja o exemplo da Air Canada, que deixou de usar “senhores e senhoras” para se comunicar com os passageiros. Agora, a empresa usa o termo “welcome everyone”, dando “boas-vindas a todos”.
São muitos os motivos para adotar essa linguagem na sua forma de comunicação, especialmente quando você lida diretamente com um grupo.
Dessa forma, é possível respeitar a diversidade das pessoas, seja por orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, essa forma de comunicação gera uma boa experiência, já que demonstra respeito e atenção a todos a quem você se direciona.
Para muitas pessoas, o uso da linguagem neutra e inclusiva provoca uma nova visão de mundo, onde não há polarização entre homem e mulher, ou feminino e masculino.
O que é a linguagem inclusiva?
A linguagem inclusiva, por sua vez, busca romper com traços sexistas e culturais para tornar a comunicação mais justa. Dessa forma, faz referência a todas as pessoas que estão no ambiente, individual ou coletivamente. Isso concretiza a inclusão social, uma vez que evita expressões que excluam ou inviabilizem grupos da sociedade.
No caso da língua portuguesa, assim como outros idiomas provenientes do latim, existe uma forte marcação de gênero. Ou seja, temos palavras consideradas masculinas e femininas.
Além disso, quando queremos falar de forma plural ou genérica, o gênero masculino é considerado o correto para representar o todo. É por isso que vemos no cotidiano fortes marcações de gênero na comunicação. Mas, afinal, será que todas as mulheres e pessoas não-binárias se sentem representadas por essa generalização?
É essa mudança que a linguagem inclusiva traz para a comunicação. Ou seja, evitar dar continuidade a costumes de exclusão e garantir a plena inclusão de pessoas e grupos.
Diferente da linguagem neutra, a linguagem inclusiva não propõe alterações no idioma. Na realidade, promove a utilização de termos e a inutilização de outros que despertem exclusão e negam a diversidade.
Nesse caso, basta optar por uma comunicação mais universal. E, para isso, existe uma infinidade de formas e combinações para aplicar a linguagem inclusiva no dia a dia.
Por exemplo: “boa noite a todos e a todas”, “corpo docente” ao invés de “professores” e “profissionais com formação em engenharia” ao invés de “engenheiros”.
É por essa razão que, além de inclusiva, também é conhecida como linguagem não sexista. Vale ressaltar que pessoas que defendem o uso da linguagem neutra e inclusiva acreditam que ela pode colaborar para:
- Denunciar o machismo e a intolerância de gênero;
- Visibilizar e identificar todos os gêneros, inclusive aqueles que se identificam como gêneros neutros;
- Acolher e respeitar a diversidade;
- Não privilegiar algumas pessoas em detrimento de outras;
- Gerar reflexão sobre a desigualdade de gênero em outros âmbitos para além da linguagem.
Como adotar a linguagem neutra?
Embora muitas pessoas tenham adotado o uso do X ou @ nas palavras, existem outros sistemas de linguagem neutra mais corretos. Isso porque o uso do X ou @ dificulta a compreensão de pessoas com dislexia, por exemplo.
Outra questão é o fato de não ser compreendido por aplicativos de leitura utilizados por deficientes visuais. Ou seja, X ou @ não são inclusivos e, como já falamos acima, o propositivo da linguagem neutra é ser mais abrangente.
Então, como utilizar corretamente? Hoje, um dos sistemas mais citados é o ILE. Nele, a grafia e a pronunciação de algumas palavras seriam “minhe”, “nosse” ou “amigue”. Então, a frase “eles são amigos” seria “iles são amigues”.
Contudo, vale ressaltar que não é preciso adotar um sistema de variação linguística para usar na sua comunicação. Para começar, existem opções como:
– Evitar artigos e pronomes de gênero: na frase “os colegas chegarão cedo”, basta retirar o “os”. Isso porque não há necessidade de especificar, e eliminar o termo é uma forma de tornar a linguagem mais neutra.
– Substituir sujeitos por “pessoas que”: ao invés de falar “bons comunicadores são”, use “pessoas que se comunicam bem são”.
Além disso, algumas dicas também podem ajudar. Veja só!
Observe
Sempre que precisar se direcionar a um grupo, seja em redes sociais ou e-mail, observe e questione se os termos incluem todas as pessoas. Esse exercício deve ser feito constantemente para que você identifique e altere o que pode ser aprimorado.
Com o tempo, a sua linguagem se tornará cada vez mais respeitosa e inclusiva.
Busque alternativas
Uma boa dica é optar por palavras sem gênero, como: pessoas, participantes, clientes, entre outras. Além disso, dê preferência para termos abrangentes, por exemplo, ao invés de “nossos clientes”, use “nossa carteira de clientes”.
Outro exemplo prático: na frase “vamos transferir para um atendente”, mude para “vamos transferir para o nosso atendimento”.
Para quem está lendo o texto, pense em alternativas que não definam gênero, como: “tem interesse?” ou “continue se atualizando”.
Mudar a estrutura da frase também funciona. Ao invés de usar “seja bem-vindo”, use “nossas boas-vindas” ou simplesmente “boas-vindas”.
Atente-se à escrita
Em muitos momentos, os exemplos citados acima não serão aplicáveis. Nesses casos, use o “e” como partícula neutra, no lugar dos artigos o ou a. Por exemplo: amigues, filhes, todes, entre outros.
O “e” é uma opção mais recomendada, já que não prejudica a pronúncia e nem inviabiliza a leitura para pessoas com deficiência visual.
Pergunte
Em uma comunicação mais direta, vale a pena humanizar o contato e perguntar às pessoas como querem que se dirijam a elas e com qual pronome se sentem mais identificadas.
Também vale a pena evitar adjetivos ou palavras que qualifiquem os indivíduos com base em seu gênero ou que transmitam convenções estereotipadas. Como, por exemplo, podemos citar as expressões: “tinha que ser mulher”, ou “chora como uma mulher”.
Por fim, vale a pena conhecer palavras que são consideradas preconceituosas e ofensivas para excluí-las de seu vocabulário do dia a dia. Por exemplo: “denegrir”, “a coisa tá preta”, “aleijado”, entre outros.
Linguagem neutra: usar ou não usar na sua comunicação?
Como já falamos anteriormente, o propósito da linguagem neutra é tornar a comunicação mais abrangente e inclusiva. É por isso que muitas empresas já começaram a adotar essa variação.
Então, a decisão de usar ou não vai da política de cada pessoa ou empresa. Para começar, muitas empresas passaram a adotar uma linguagem mista, ou seja, uma mistura da linguagem inclusiva com a linguagem neutra.
Como não há uma linguagem pronta, esse processo precisa passar por tentativa, erro e lapidação. Porém, vale ressaltar que a adoção dessa linguagem deve ser feita da forma correta e garantir que exista harmonia em todos os canais de comunicação. Ou seja, é preciso padronizar a linguagem, já que ela é fundamental para a identidade da marca.
Por isso, entender o que é linguagem neutra e conhecer suas variações para aplicá-la é fundamental. Afinal, como vimos, o X ou @ não são aconselhados.
Cuidados com a linguagem neutra e inclusiva
Apesar de ser um conceito bem simples, na prática o exercício é sensível, já que trabalha com a identidade das pessoas. Por essa razão, pode ser desafiadora a implantação da linguagem inclusiva em canais de comunicação, especialmente em empresas.
Contudo, isso não é motivo para não colocar a mudança em prática. Basta ficar atento a alguns detalhes:
- Tome cuidado para não reduzir identidades e simplificar as complexidades das pessoas. Embora seja recomendado utilizar expressões genéricas e neutras, é preciso considerar e valorizar o indivíduo.
- Atente-se também ao “lugar de fala”, mesmo com a utilização da linguagem neutra e inclusiva, é sempre importante prestar atenção em quem está falando e qual é o seu “lugar social”.
- Lembre-se de considerar as necessidades individuais. Por exemplo, evite o uso de X ou @, que podem dificultar a compreensão da mensagem por pessoas com deficiência visual.
- Esteja aberto a feedback e acompanhe as discussões a respeito do tema. Afinal, é uma novidade e, por isso, está sujeito a erros e adaptações.
Conclusão
A diversidade vem sendo um dos principais palcos de mudanças sociais nos últimos tempos, buscando um mundo mais inclusivo e abrangente.
Nesse contexto, a linguagem, no âmbito geral da sociedade, tem um impacto individual e coletivo capaz de transformar e manter sistemas.
É por esse motivo que as linguagens neutra e inclusiva têm ganhado cada vez mais espaço em diferentes cenários e canais de comunicação. Logo, é preciso acompanhar esses avanços sociais para colocar em prática uma comunicação mais respeitosa.